quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Dias não vividos

Era desses filhos únicos. Desses que se apaixonam. Criança beijoqueira, terror das festinhas de aniversário. Que a memória alcança, beijava desde os cinco anos, talvez antes. Aos oito era apaixonado pela Graziela. Graziela era uma coleguinha de escola. A que sempre terminava os ditados em primeiro, ou em segundo lugar, quando ele terminava em primeiro. E ela falava sozinha, igual ele! Não deu outra, logo depois das férias da segunda série do primário, férias de saudade, estava ele enfeitando um pirulitinho com colagens de papel e deixando na mesinha dela. Começara bem, se apaixonando por uma japonesinha lindinha, mas cativado pela inteligência e pelas peculiaridades, pelas ossincrasias da garotinha. Nunca se beijaram. Uma vez, porém, sem saber muito o que fazer naquele momento, ele a riscou nas costas com um pedaço de carvão dentro da piscina. E riram. Parece que perceberam o que ele só entenderia muitíssimos anos depois como um desejo de marcar aquele momento. De fazer algo coerente tanto com o que sentiam, quanto com a condição de crianças que eram. Ele não era adulto, ele apenas se apaixonava.
E veio o ginásio. Ele bateu os olhinhos na C.A e sorriu. Já a conhecia da primeira séria, quando ela estudava de tarde. Na verdade, ele se lembrava de ela ter olhado pra ele uma vez na primeira série. Sim, ele se lembra do primo dela o chamando de ladrão porque ele estava usando os lápis de colorir que estavam dentro do estojo do primo. Era um daqueles estojos cheios de botões, com apontador e borracha embutidos. Nosso indiozinho lusitano havia pedido ao coleguinha para ver o estojo, coleguinha deixou, indiozinho, comuna mirim, pegou os lápis e pôs-se a pintar. Foi chamado de ladrão pelo japinha nervoso. Quatro anos depois, C.A está linda e sorri para nosso apaixonado mocinho. Ele entra numas de tirar fotos. Tinha ganhado de presente de natal sua primeira kodak automática. 36 poses era pouco para nosso garoto. Marcou um ginásio inteiro de C.A com fotografias, uma troca de cadernos, um anel trazido da disney mas nunca entregue e uma declaração de amor em código que ela entendeu e respondeu com a letra de uma música dos paralamas. Sem beijo. No final do ginásio aconteceu a Mi. A Mi foi o primeiro beijo pós puberdade. Foi a primeira paixão in praxis. Nosso garoto até então já sabia arranhar, fotografar, escrever, fazer musica, cozinhar, sabia beijar e se declarar. Sabia desejar também. Sabia desejar!
Nosso garoto desejou a Mi por uns meses até o primeiro beijo. Beijo de janeiro no jardim. Beijo de não perder a amizade, beijo de carinho e pacto. Beijo único na vida inteira. Foi aquele! Beijo de janeiro de 1999. Mas vieram outros. Beijos e paixões. Se não viessem, que vida seria? E se tivessem ficado também. Que vida? Beijos. Quê?
Teve a Paula com os beijos pra esquecer a Mi. Mas a Mi voltou. Teve a C.P e seu canto, paixão sem beijo mas com música. Teve a Bruna com seus loiros cabelos enroladinhos, seu rosto redondo e seus olhos azuis. Nunca mais vi depois do show do Engenheiros. Teve a Renata com suas coxas grossas de natação, seu rosto lindo e forte e seus longos e negros cabelos cacheados. Sem beijos e sem paixão, apenas telefone escrito na mão e nunca usado. Linda Renata. Teve a Prank, admirável garota. E teve a Starla. Com a Starla teve músicas, a que ficou pra mim foi Suzane com o Weezer. Teve encontro na sessão de roupas do supermercado, e eu estragando tudo várias vezes. Não dava pé pra mim, e eu aprendi que não sabia nadar. Teve isso, e saudade, e curiosidade, e vontade de tentar mais. Mas não dava tempo. E vieram menos beijos, e menos paixões. Veio o pulsar da vida, com suas urgências. Veio a vida reorganizando a vida. E foi-se o tempo das paixões. Que beijos?

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